segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

A Ética que Não se Ensina na Universidade


"Hoje há no Brasil cientistas fraudadores que passam em concursos públicos com artigos plagiados e que não perdem o posto mesmo depois dos trabalhos serem retratados. E quando se fala sobre isso, a academia tende a se enfurecer".

Abaixo segue matéria do Blog de Ciência da Folha de São Paulo, reflexão fundamental para que a meritocracia prevaleça no Ensino Superior.

A ética que não se ensina na universidade
Sabine Righetti

Voltei das férias “com a botina”, como se diz em uma das minhas terras. No primeiro dia já viajei para Rodes, na Grécia, onde estou acompanhando a quinta edição do World Universities Forum.

O fato de a conferência acontecer na Grécia, país que está afundando em uma crise econômica nunca vista por aqui, traz um tempero amargo à discussão. A começar pela observação de que há apenas um especialista grego dentre os cerca de 60 experts de todo o mundo que estão por aqui. “Isso é sinal da crise”, disse o reitor da Universidade do Egeu (em grego, pois ele não fala inglês). Bom, mas escreverei sobre a situação do ensino superior da Grécia depois. Aguardem!

O que quero dividir com vocês agora é um debate que tem aparecido em quase todas as sessões da conferência: o ensino de ética aos alunos de graduação e de pós-graduação de universidades públicas e privadas.

Chamo atenção ao debate porque o tema pipocou nos corredores acadêmicos do Brasil no ano passado, especialmente depois de uma série de reportagens feita pela Folha de S.Paulo sobre plágio e fraude científica nas principais universidades do país (veja algumas ao final desse texto).

O assunto chegou às agências de fomento, que lançaram seus respectivos manuais de ética no segundo semestre do ano passado -- primeiro a Fapesp (veja aqui) e depois o CNPq (e aqui).

Glaucius Oliva, presidente do CNPq, chegou a mencionar que “obrigaria” os programas de pós a terem cursos de ética. Seria mais ou menos assim: o programa que não tivesse uma disciplina de ética não receberia bolsas do CNPq. Mas a proposta ainda não saiu do papel, talvez porque as universidades, autônomas, reagiriam mal à obrigatoriedade do ensino. Oliva mexeria em um vespeiro...

Mas, de acordo com Michael Friedman, da Universidade de Michigan, que está aqui na conferência, a ética na pesquisa científica deve ser, sim, ensinada na universidade. Ele é especialista no assunto e falou por mais de uma hora sobre ética na ciência.

Recomendações

Friedman definiu que ensinar “ética” é passar aos alunos alguns “guidelines” de como a atividade científica deve ser feita. Isso não tem nada a ver com o ensino de moral, que tem base na crença de um conceito (por exemplo, a moral cristã). A formação da moral está diretamente ligadas às influências que a pessoa recebe ao longo da vida, da família, amigos e também da imprensa. Mas ética deve ser ensinada.

“E aprender ética na ciência significa agir de maneira ética?”, perguntei ao Friedman. Não. A simples disciplina de ética não garantiria cientistas que não fazem fraudes nas nossas universidades. Mas evitaria o “eu não sabia que não podia copiar a tese do meu colega” e possibilitaria a criação de sistemas de punição aos fraudadores.

Hoje há no Brasil cientistas fraudadores que passam em concursos públicos com artigos plagiados e que não perdem o posto mesmo depois dos trabalhos serem retratados. E quando se fala sobre isso, a academia tende a se enfurecer. “Por que vocês não escrevem sobre o que a ciência tem de bom?”, perguntaram-me uma vez. Talvez porque a ciência não tenha apenas coisas boas...

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