quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Estado e Diversidade

Publicado no jornal Correio Braziliense, caderno de Opinião, em 13/02/2012.
Mudanças na sociedade demoram, e só acontecem quando há mobilização de quem pretende mudar algo.
Nos últimos anos testemunhamos a ascensão ao poder de pessoas oriundas de grupos sociais excluídos, mas não necessariamente de um número significativo de representantes de tais grupos. Um negro e uma mulher foram eleitos, respectivamente, presidentes dos Estados Unidos da América e do Brasil.
No Brasil, as mulheres conquistaram o direito de votar, com restrições, por meio do Código Eleitoral Provisório, de 24 de fevereiro de 1932, e sem restrições em 1946. Nos Estados Unidos, somente em 1965, com a promulgação da Lei dos Direitos Civis, foi garantido o direito de voto aos negros.
Essa distância de décadas entre o direito ao voto e a eleição para o cargo máximo da nação não é tão longa se pensada em termos de sociedades que definiram regras ou procedimentos em torno da exclusão de uma parcela de sua população.
O Estado, esse conjunto das instituições que controlam e administram o povo e que transcende os diferentes governos, busca organizar e controlar a nação por meio de vários mecanismos, porém aquele no qual se destaca, como ensinou o sociólogo Max Weber, é o do monopólio da violência legítima, que não se restringe apenas à força policial, também está presente na coerção inerente às Leis, que obrigam os cidadãos a cumprirem determinados deveres e lhes outorgam determinados direitos.
Ora, o Estado é uma entidade que não concorda plenamente com as individualidades, e que apesar de se relacionar e depender da sociedade, é diferente da sociedade que o sustenta. A sociedade muda, é flexível, feita de paixões e desejos. O Estado é rígido, pouco flexível, racional e burocratizado, seu objetivo é controlar a sociedade, organizá-la, para tentar legitimá-la como nação.
Não necessariamente o Estado representa todas as individualidades, pois como ensinou Marx, a luta de classes incorre em que os interesses de classes dominantes determinam as ações do Estado, que impõe às classes dominadas essa organização, perpetuando preconceitos e exploração.
O psicólogo social Serge Moscovici defende, por meio da Teoria das Minorias Ativas, que apesar do domínio de um grupo sobre o outro, o grupo marginalizado pode influenciar o grupo dominante, por meio de uma ação coletiva e organizada que envolva a difusão de novas ideias e concepções de mundos diferenciadas daquelas da maioria.
Penso, extrapolando as fronteiras entre a Psicologia Social e a Ciência Política, que essa teoria concorda com o pensamento de Antônio Gramsci, para quem, resumindo, a única forma de modificar as estruturas aí estabelecidas é conhecê-las e dentro delas fazer mudanças.
Pessoas e grupos que reflitam sobre a sua realidade e criem novas moralidades, por meio da demonstração intelectual à sociedade e da participação política, não necessariamente partidária, de que um Estado não une pessoas e classes, é crucial para se poder justificar, a médio e a longo prazos, reformas em Estados excludentes.
Essa ação coletiva é entendida, pelos psicólogos sociais Taylor e McKirnan, como o estágio mais avançado das relações entre grupos, e se define pelo aumento da consciência do grupo em desvantagem acerca da injustiça de sua condição, percepção que leva os membros desse grupo a reavaliarem a forma como se reconhecem e são reconhecidos, a buscarem identificar as suas particularidades e a inovar em suas estratégias de competição.
O compromisso que os agentes governamentais podem assumir no combate à discriminação e à violência contra grupos sociais não ocorre desassociado da mobilização desses grupos para influenciar o Estado.
Na realidade brasileira, ainda é um desafio estimular a participação política de alguns contingentes da população, para se formar um grupo consistente de atores sociais influentes. Educação e consciência de suas próprias características e carências poderão se tornar os instrumentos para que homens e mulheres, membros de grupos excluídos, mudem a visão que a sociedade tem deles, e para que se diversifiquem os papéis que a sociedade lhes reserva.
Esta é uma análise realista: quando falamos em mudanças sociais, o termo “longo prazo” pode se referir a séculos.
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