terça-feira, 13 de novembro de 2012

Nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás

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Morador de rua se forma em Pedagogia na UnB, notícia da UnB Agência (aqui).
Foto de Emília Silberstein/UnB Agência.
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Sérgio,
Mais do que apenas te dar parabéns por essa conquista extraordinária, quero lhe dizer que estou profundamentamente feliz e com sentimento de dever cumprido, dentro das limitações de tempo e institucionais que, como Assessora de Diversidade e Apoio aos Cotistas da UnB na época do Reitor Timothy Mulholland, tive de lidar para te trazer um pouquinho de segurança na sua vinda à nossa universidade.
Sempre me lembrarei de quando fui te procurar pessoalmente, na Asa Sul, atrás da Floricultura, assim que a notícia de sua aprovação saiu no jornal, eu sabia que você precisava se sentir bem recebido. Primeiro encontrei seus livros na caixa do registro, depois você, e daí pudemos procurar apoio para sua residência, prontamente atendida pelo querido Decano de Assuntos Comunitários da época (se não me engano Reynaldo Tarelho, sempre tão acessível a quaisquer demandas), e então você se tornou mais um estagiário do Centro de Convivência Negra em nosso saudoso projeto Cotistas nas Escolas. Lembra?
Li e ouvi muitas críticas a respeito das limitações da UnB em recebê-lo, e respondi a todas a quem as disse pessoalmente a mim. Sei que fiz minha parte e que outras pessoas também o fizeram. Você, melhor do que ninguém, sabe que "a universidade idealiza o estudante perfeito e se esquece da complexidade da existência humana, pois quando vem mendigo morador de rua para dentro da universidade, vem também com estes as doenças, os vícios, a falta de disciplina e, naturalmente, a dificuldade de se adequar à rigidez acadêmica", como você escreveu. Aprendi isso antes de ler sua preciosa monografia, e creio que aprendi melhor porque aprendi contigo. Espero também ter podido ensinar algo ao longo de sua caminhada, mesmo que forma inconsciente.
Como dizemos, fico com a alma lavada ao ler depoimentos como o da Decana Carolina Cássia: "A Universidade cumpriu com o seu dever com relação a um aluno em situação de extrema vulnerabilidade – e talvez o nosso aluno mais vulnerável tenha sido de fato o Sérgio". Nessas horas entendo que a nossa experiência de vida na UnB, naquela época, foi singular e, às vezes, deliciosa, apesar de ter as suas dores.
Desde então crescemos, sofremos, tivemos prazeres e pudemos nos tornar mais de nós mesmos. Ler essa notícia de uma vitória sua, ante a tantas dificuldades que você passou, faz-me lembrar também das mãos que eventualmente se estenderam para você, como a do senhor que lhe permitiu dar aulas de reforço de matemática à filha dele, na quadra atrás da floricultura. Eu me lembro disso, e quando me contaram essa história enquanto eu estava lá te procurando, soube que havia gente fazendo um pouquinho que fosse por você.
Diz o Sankofa (cuja mensagem aprendemos por meio do saudoso Mestre Abdias Nascimento, e da sua querida e amorosa esposa e parceira Elisa Larkin Nascimento), sobre o qual tanto refletimos no nosso tempo de Centro de Convivência Negra: "nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou atrás". Estamos fazendo isso agora.
Nada mais significativo do que concluir este ciclo de sua vida entregando sua monografia ao Reitor José Geraldo Sousa Junior, representante maior da universidade, estudioso e defensor dos direitos humanos, porque a vitória é sua, mas igualmente das pessoas em situação de rua, de toda a UnB, do Brasil. Com ela todos nos tornamos um pouco mais humanos, um pouco mais nós mesmos/as.
Parabéns, e muito obrigada!
Jaqueline Gomes de Jesus
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