domingo, 16 de fevereiro de 2014

Tudo o que é Profundo Ama a Máscara

Imagem: Editoria de Arte/Folhapress (fonte aqui).


Alles, was tief ist, liebt die Maske [Tudo o que é profundo ama a máscara].
Friedrich Nietzsche, "Para Além Bem e do Mal", §40.


Ainda escreverei seriamente sobre essa que é chamada de "A Minoria Radical", mas tal não é o propósito desta brevíssima reflexão.

Primeiramente, preciso ser assertiva, e dizer/escrever que, em princípio, concordo com algum controle sobre a presença de mascarados nas manifestações, tendo em vista unicamente a segurança das pessoas ali presentes e a preservação do patrimônio.


Por outro lado, sinto, nos debates recentes sobre os protestos, que prevalece uma profunda ignorância, senão temor, acerca da fragmentação das identidades, e por consequência dos objetivos e lemas, na sociedade contemporânea.


Vale lembrar que: 1) não é de hoje a insatisfação das coletividades frente às poderosas, ineficientes e oligárquicas estruturas estatais, que segregam os bens sociais entre as elites e os outros, entre os capitalistas e os proletários; e 2) os interesses são sim difusos, fluidos. Ponto. Assim o são porque não se pautam exclusivamente pelas bandeiras partidárias ou de instituições orgânicas, como ocorria ao longo do Século XX.


Entender essas massas demanda uma sensibilidade que não esteja saudosa tanto do indivíduo romântico, que vive alheio à sociedade, quanto do sujeito como produto exclusivo da macro-estrutura, dos processos históricos-econômicos-sociais.


A indeterminação é uma palavra-chave para se compreender o jogo de querer-poder que aproxima as pessoas nas manifestações, desconhecidos entre si como indivíduos, mas reconhecidos como pares a partir da "afinidade" com princípios gerais ali compartilhados.


O caos e a violência não são trazidos do nada pelos que protestam, eles são revelados por estes como uma rotina da vida urbana. Com tal afirmação não estou endossando agressões e crimes que ocorrem nas manifestações, de maneira alguma, tão-somente identifico sua origem nas violações cotidianas que a maioria da população sofre, e que alguns nos protestos explicitam de maneira direta, bruta, sem elaborações, sem palavras. Explico, não justifico


No momento da manifestação, o anonimato não é importante, ao contrário do apregoam, com natural tom naturalizante, tantos pensadores imediatistas de tudo o que acontece nas multidões. Fundamental é a identificação social com as imagens, os atos, as mensagens e os não-ditos.


Neste mundo/país onde ser é ter e parecer, os mascarados assim se apresentam não apenas para se esconderem, mas também para simularem aquilo que desejam ser: revolucionários, agentes da mudança ou, simplesmente, gente antenada e proativa. Eles falam para os seus muitos intérpretes que são diversos os seus anseios, porém pouco detalhados.


Compreendê-los, desse modo, é um desafio que demanda certo tempo de observação e de reflexão, exercício para intelectuais. E ressalto: quando digo "intelectuais" não me refiro a portadores(as) de títulos ou de fama, mas a trabalhadores(as) do pensamento, que analisam o real e o reelaboram com apuro, sem se preocuparem em ceder à exigência de explicações por parte de quem deseja respostas, quaisquer que convençam, agora.


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P.S.: A imagem que ilustra esta postagem me lembrou o título e algumas questões do livro "Pele Negra, Máscaras Brancas", de Frantz Fanon... O desenho também pode ser um mascaramento das peles dos que protestam.

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