sexta-feira, 13 de novembro de 2015

VOZES DOS HOMENS TRANS


Semana que vem, no dia 18 de novembro, quarta-feira, participarei da 1ª Conferência Internacional [SSEXBOX] & Mix Brasil, em São Paulo, compondo mesa sobre transfeminismo com Helena Vieira, Inês Castilho, Luciano Palhano e Viviane V. (Conheça a programação aqui: http://www.ssexbbox.com/programacao-1a-conferencia-international-ssex-bbox-mix-brasil-de-sao-paulo-2).

Essa é a mesma cidade na qual o estudante Samuel Silva (Samuca), homem trans, foi expulso de uma faculdade particular após ter criticado uma prática docente e ter sido ridicularizado na internet e em sala de aula, tendo sido recorrentemente tratado no feminino.

Buck Angel, ator pornô e ativista trans norte-americano, é uma das figuras mais destacadas pelo evento, além das de outros homens trans, incluindo pessoas com história e atuação importantíssimas no Brasil, como o escritor e psicólogo João W. Nery.

Eles me fazem pensar que o transfeminismo é um campo de pensamento-ação que precisa de reflexões acerca da auto-representação dos homens trans.

Como deve ser do conhecimento dos meus leitores, sou contrária ao apagamento da fala de homens trans sobre feminismos (e quando digo "feminismos" incluo o transfeminismo, por redundância).

Até hoje encontrei poucas contribuições de homens trans às leituras transfeministas, dentre as quais destaco o excelente capítulo do amigo pesquisador André Guerreiro ao nosso livro Transfeminismo: Teorias e Práticas, sobre despatologização das identidades trans a partir da ótica dos homens trans.

Os homens trans, pela sua particular experiência de vida, têm muito a dizer acerca de dimorfismo de gênero e controle sobre os corpos. Eles foram lidos e performaram como mulheres durante um longo período, e geralmente continuam sendo vistos como mulheres mesmo após se reconhecerem e viverem como homens, o que é perverso, ou no mínimo tosco.

Por um tempo relevante da história da cultura trans - predominantemente oral e que ainda está para ser transcrita - as vozes dos homens trans foram silenciadas ou rotuladas como de lésbicas masculinas; conheçam a poesia e do martírio de Anderson "Bigode" Herzer. Ele vivia e cometeu suicídio em São Paulo.

Dentre os maiores desafios para um Sistema Único de Saúde realmente integral está o parto humanizado - e quiçá o direito ao aborto - de homens trans. Como esses cidadãos são/estão sendo/serão atendidos na depauperada rede pública? Imagine na privada (estou sendo propositalmente ambígua).

Se os discursos das travestis e mulheres trans que se prostituem são sistematicamente silenciados nos debates sobre os direitos das/os profissionais do sexo (putas, putos e putes), pensem quão ignorados devem ser os discursos dos homens trans que se prostituem.

E no que tange ao princípio da intersecionalidade (sempre escrevo essa palavra com um "c" a menos, pensando num português mais brasileiro e menos lusitano), em um país majoritariamente negro, no qual ainda hoje - literalmente - me perguntam se existem outras mulheres negras trans além de mim, evidencia-se o apagamento das ideias e iniciativas dos homens negros trans.

Lembro-de de uma conversa ano passado, num bar quase na Cracolândia, em Sampa, na qual, acompanhada de Leonardo Peçanha e Luciano Palhano, papeamos a respeito disso, com pesar.

Vale ressaltar ainda que, neste Brasil continental, existe vida e produção de pensares e fazeres para além do eixo Rio-São Paulo, e há mobilização séria de homens trans de Brasília (Lam Matos, Marcelo Caetano), rodando entre Uberlândia e Palmas (Bernardo Mota, FerNando Vieira), passando até no Pará, que aliás não luta só desde ontem, como nos lembra Raicarlos Coelho, militante histórico.

Todas e todos, cisgêneros e transgêneros, temos muito o que aprender, principalmente sobre novas masculinidades (ou até antigas, porém invisíveis), com os homens trans.

Nenhum comentário:

Postar um comentário